Criamos retratos com os olhos da carência,
pintamos rostos com tintas de esperança,
esculpimos almas com os dedos da ilusão.
Fazemos da ausência um espelho,
e do silêncio; canção.
Projetamos deuses em corpos comuns,
anjos em vozes banais,
paraísos em corações ocos.
Atribuímos profundidade a poças rasas,
chamamos de mar um copo de água.
Ela sorri e juramos que há sol.
Ela se cala e dizemos que é mistério.
Ela nos fere e chamamos de amor difícil.
Ignoramos os sinais como quem ignora placas em uma estrada:
preferimos o abismo à desistência da fantasia.
A pessoa está lá, nua em sua essência,
gritando verdades em gestos sutis.
Mas os olhos embriagados pelo desejo
recusam-se a ver.
Os ouvidos treinados por sonhos
não escutam a realidade.
Ela nunca prometeu ser o que você queria.
Foi você quem escreveu o script,
dirigiu a peça,
escolheu o figurino,
acendeu as luzes do palco
e entregou-lhe um papel que ela jamais decorou.
Frustração?
Não com ela.
Mas com o arquétipo que criamos
e insistimos que ela encarnasse.
Com o mito que alimentamos
até transbordar na alma
feito veneno em cálice de ouro.
A cada gesto dela, havia um alerta.
Mas preferimos o sussurro da fantasia
ao grito da evidência.
Ela era transparente como o vidro
e nós, cegos de expectativa.
E então nos dizemos traídos.
Mas a traição não veio dela.
Foi o ego quem mentiu.
Fomos enganados, sim
por nós mesmos.
Perdemos tempo amando o reflexo,
enquanto a realidade acenava em vão.
Queríamos um milagre
e nos recusamos a ver o humano.
Queríamos eternidade
e não suportamos o instante.
Agora, resta o vazio
de uma história nunca vivida,
de uma pessoa nunca amada
pelo que realmente era,
mas apenas idealizada.
E a pergunta que fica, ecoando no silêncio das decepções:
Será que você realmente se frustrou com a pessoa ou com a mentira que você mesmo quis acreditar?
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