No enredo cotidiano da existência humana, onde o egoísmo muitas vezes ecoa mais alto que a empatia, a gratidão se ergue como uma virtude rara — e, paradoxalmente, revolucionária. Em um tempo marcado pela pressa e pela superficialidade dos vínculos, reconhecer o outro, valorizar gestos e cultivar a consideração parecem atitudes antiquadas, quase ingênuas. No entanto, como afirma o filósofo alemão Friedrich Nietzsche, “aquele que não consegue agradecer, não pode ser verdadeiramente feliz”. A ausência de gratidão revela não apenas um empobrecimento das relações humanas, mas um sintoma de crise moral que atravessa os vínculos sociais contemporâneos. Ainda assim, insistir na bondade e no amor continua sendo um ato de resistência.
Historicamente, a gratidão foi exaltada como uma das virtudes que sustentam o tecido social. Nas tradições africanas, por exemplo, o princípio de ubuntu — "eu sou porque nós somos" — enaltece o reconhecimento mútuo como fundamento da existência coletiva. No entanto, na lógica individualista do mundo atual, regido pelo desempenho e pela autossuficiência, a cultura do descarte também se aplica às relações humanas: amizades, favores e sacrifícios tornam-se descartáveis. A ingratidão, assim, não é apenas uma falha de caráter individual, mas um sintoma de um tempo adoecido pela indiferença.
Não obstante, ser grato em um mundo insensível é mais do que um gesto ético: é um ato político. Amar, fazer o bem e reconhecer o valor do outro sem esperar retribuição se torna, nas palavras de Hannah Arendt, uma “ação que rompe com a banalidade do mal”. A gratidão transforma vínculos frágeis em alianças humanas sólidas; ela transcende o utilitarismo social e resgata a dignidade do ato gratuito, do gesto sem cálculo. Ainda que muitos permaneçam indiferentes, e que a ingratidão doa mais do que o esquecimento, viver com consideração é plantar sementes invisíveis que, cedo ou tarde, florescem.
Diante desse cenário, é imperativo que a sociedade brasileira invista na formação ética desde os primeiros anos de escolarização. Para isso, o Ministério da Educação deve incorporar, de forma transversal no currículo escolar, projetos de educação socioemocional que incentivem práticas de gratidão, empatia e reconhecimento, por meio de atividades cooperativas, rodas de conversa e ações comunitárias. Além disso, campanhas públicas veiculadas nas mídias sociais podem fomentar uma cultura do agradecimento, estimulando o reconhecimento das pequenas gentilezas cotidianas.
Em suma, embora a indiferença avance como uma sombra, a luz da gratidão persiste como um farol. Ser grato, amar e fazer o bem — mesmo que não haja aplausos ou retorno — é escolher, diariamente, não sucumbir ao cinismo. Afinal, como escreveu o poeta Fernando Pessoa: "vale a pena tudo, se a alma não é pequena".
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