“E se o Messias não vier do céu, mas da terra? E se não trouxer milagres, mas perguntas? E se sua missão for, antes de salvar, ensinar-nos a ser?”
Há uma ausência que não se nomeia, mas grita. Uma espécie de sede que nenhuma religião sacia, um vazio que não é espiritual — é existencial. Não é Deus que falta: é o humano.
A pergunta inquietante é essa:
Será que, na ânsia de encontrar um salvador, esquecemos de ser salvos por nós mesmos?
A imagem tradicional do Messias é a de alguém que nos resgatará do sofrimento. Mas e se o sofrimento não for uma anomalia, e sim parte intrínseca do que somos? Kierkegaard diria que a angústia é o desvelar da liberdade; Schopenhauer, que o desejo é um cárcere disfarçado de anseio; e Camus, que a vida é um teatro do absurdo em busca de um roteiro inexistente.
Talvez o verdadeiro Messias não venha para desfazer o sofrimento, mas para nos ensinar a habitá-lo com dignidade.
O Messias como um estranho ordinário
Imagine um homem caminhando numa rua qualquer de uma cidade morna. Ele carrega uma maçã na mão e a morde com calma. Não tem seguidores, não opera prodígios. Apenas olha as pessoas nos olhos. Não diz “eu sou o caminho”, mas pergunta: “Você sabe para onde está indo?”
Ele vê um casal brigando na fila do banco. Aproxima-se. Não interfere. Apenas toca o ombro do homem com gentileza e diz:
"Ela tem medo de ser invisível. Você também."
E segue.
Essa cena é banal. Mas nela há uma força tectônica. Porque o verdadeiro Messias não nos leva ao paraíso — nos devolve ao aqui-agora com olhos desentranhados da cegueira cotidiana.
Amar como quem desiste do controle
Fala-se muito de amor. Mas o que sabemos dele? Ainda o confundimos com posse, carência, reflexo. Amar, no ensinamento deste Messias, seria como lançar sementes num solo que pode nunca frutificar — e ainda assim, lançar.
Não se trata de uma ética da renúncia, mas da coragem de ser vulnerável. Ele diria: "Amar é permitir que o outro nos desmonte sem a garantia de ser remontado."
Amar, portanto, é um ato de liberdade. Mas essa liberdade é um paradoxo: quanto mais livre sou, mais risco corro. O Messias do amor não nos entrega mapas, mas espelhos manchados com nossa própria incompletude.
Epifania: o silêncio que fala
Há um momento em que tudo colapsa.
Você está sozinho, no fim de um dia ordinário. A luz da cozinha falha. O prato ainda sujo, a pia gotejando. E de repente, sente.
Não é tristeza. Não é paz. É algo cru, como se a existência sussurrasse:
"Você está vivo. E isso é tudo."
É aí que o Messias se revela: não como figura externa, mas como lampejo interno. Ele não desce dos céus. Ele emerge do cansaço, do riso, do fracasso. Da ternura súbita por um estranho.
O Messias que não salva, mas desperta
Este Messias não exige fé. Pede presença. Não promete vida eterna — convida à eternidade do instante. Ele nos desinstala da ilusão do sentido pré-fabricado. Nos lança no abismo da liberdade, e sussurra:
"Você é responsável pelo mundo que cria ao olhar."
Não há dogmas. Há perguntas:
– Quem você seria se não precisasse agradar ninguém?
– Quantas máscaras você veste para não chorar em público?
– O que você teme tanto que prefere a distração ao silêncio?
Final aberto: a sombra e o espelho
O Messias talvez já tenha vindo — e passado despercebido, como um mendigo num beco, um amigo que se foi cedo demais, um poema que você não entendeu.
Ou talvez ele esteja dentro de cada gesto humano que, sem alarde, escolhe o bem num mundo cínico.
A pergunta que fica, como uma vela acesa na tempestade:
E se o Messias não vier para nos levar ao céu, mas para nos ensinar a descer ao fundo de nós mesmos — e lá, enfim, encontrar o humano perdido?
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