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16 de junho de 2025

O Deus Que Nunca Foi.



Deus não existe — e não é.
É sombra, ideia, espelho da aflição,
Nasceu do medo do trovão
E da esperança num alvorecer qualquer.
Chamaram-no El, depois YHWH,
Mas já era Dyaus, o Pai dos Céus,
Fundido em delírio, coroado por mitos e véus.

Antes do verbo, era o vácuo do ser,
E no eco dos abismos humanos,
Gritou-se um nome sem dono —
“Eu sou”, ou “Serei”, ou “Não sei”.
Era preciso nomear a névoa.
Era urgente dar forma ao invisível,
Modelar o caos com pincel infalível.

O homem chorava, e o Deus nasceu.
Surgiu para consolar viúvas e órfãos,
Para julgar os maus e prometer paraísos,
Para castigar com fogo os que duvidassem.
Era justiça feita por fantasmas,
Amor desenhado em papiros,
Um contrato celeste de cláusulas duplas.

Um arquétipo, sim!
Mas tão forte quanto o ferro forjado,
Tão vasto quanto as estrelas invisíveis.
Moldou impérios, coroou papas,
Guiou cruzadas, cegou filósofos,
Ergueu templos de orgulho e mármore
E destruiu em nome do amor.

Deus é o espelho do desespero,
O nome que damos ao que não sabemos,
O manto que cobre a nudez da existência.
Ele é o silêncio travestido de voz,
A ausência moldada em presença,
O eco do clamor por sentido
Na carne que apodrece e teme.

Deus é bom — dizem.
Mas sua bondade tem garras,
E um inferno preparado aos que duvidam.
Ama-te, sim, mas se não o amares,
Sofrerás entre gritos e enxofre.
Chama isso de justiça divina
Ou de chantagem cósmica em poesia fina.

Quem é esse Deus, senão projeção?
O pai que faltou, o rei sonhado,
O juiz perfeito e o amante fiel?
É um colosso de expectativas,
Um Frankenstein de esperanças,
Um Messias à la carte
Para cada miséria individual.

Ele foi moldado em Babel,
Remendado no Sinai, refinado em Roma.
Foi deus tribal, depois monarca global,
E hoje é algoritmo em templo digital.
Customizável, personalizável,
Deus virou selfie do espírito aflito,
Ícone que cabe em bolso e rito.

YHWH, El, Dyaus Pitar, Theós, Deus...
Todos são máscaras de uma ausência.
Cada nome, um eco do mesmo grito.
Cada altar, um medo que floresce.
Cada credo, uma negação do vazio.
A fé é a âncora que flutua
No mar revolto da ignorância pura.

E no entanto...
Mesmo sendo o que não é,
Ele move o mundo.
Mesmo sendo ficção,
Ele escreve história.
Pois não há força mais real
Do que um mito que se crê imortal.



Posfácio de névoa:
Deus é o poema mais lido da humanidade.
Mas talvez seja tempo de ler nas entrelinhas.
E encontrar ali, não um ser, mas um espelho rachado, simbólico, divinamente humano.



Por Gil Rodrigues no ápice da espiritualidade.









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