Silvio Santos – nascido Senor
Abravanel, camelô carioca, judeu sefardita, herdeiro simbólico do financista
bíblico-português Isaac Abravanel – partiu em 17 de agosto de 2024, mas sua
silhueta continua tremulando no ar como letreiro de néon sobre a cultura
popular brasileira.
Pensamento judaico, pulsação
brasileira
Criado numa
família que rezava em ladino e fazia do Shabat um exercício de frugalidade e
união, Senor carregou três valores hebraicos para o palco nacional: chesed
(solidariedade), chutzpah (ousadia) e tzedaká (caridade). A Teleton, maratona
televisiva que ergueu hospitais e próteses para crianças com deficiência,
concretizou o princípio de doar antes de pedir aplauso.
Sua fé jamais
foi proselitista; era pragmática: “Minha religião é o público”, repetia. Esse
pragmatismo dialoga com a ética rabínica do trabalho duro – “se não eu por mim,
quem?” – mas temperado com a malandragem lírica do Rio de Janeiro.
Da banca de camelô ao Grupo
Silvio Santos
A virada
começou em 1958, quando comprou o Baú da Felicidade e trocou carnês por sonhos
parcelados; dali nasceram SBT, Jequiti, Tele Sena e um portfólio que foi da
cosmética à capitalização.
A lógica era
simples e implacável: transforme audiência em moeda, depois transforme moeda em
novas vitrines de audiência. Ao fundar o SBT em 1981, quebrou o quase-monopólio
da Rede Globo, baixou o sarrafo de entrada para talentos periféricos e fez da
grade um mosaico de auditórios onde o povo virava protagonista.
Importância social
Silvio reconfigurou a comunicação massiva em três frentes:
①
democratizou o microfone – ao colocar anônimos no centro do palco, antecipou a
lógica participativa das redes sociais;
②
popularizou o marketing de prêmios, convertendo consumo em espetáculo;
③
institucionalizou o “business gospel” da TV filantrópica com o Teleton,
captando bilhões em doações nas últimas três décadas.
Seus programas viraram espelhos de aspirações coletivas: alegria barata, chance de mudar de vida, humor de porta de rua – um reality show avant la lettre da brasilidade.
Legado e sucessão
O Grupo Silvio Santos sobrevive
agora às seis filhas, profissionalizadas na gestão de mídia, cosméticos e
capitalização. Consultorias de governance apontam o caso Abravanel como manual
de sucessão familiar bem-amarrada em holdings e testamentos preventivos.
Mas o legado transcende balanços:
ele cristalizou a ideia de que o brasileiro comum pode falar por si mesmo,
vender seu peixe em horário nobre e, de quebra, financiar causas sociais.
A mensagem que fica
No epitáfio midiático de Silvio
cabem três frases, quase mandamentos seculares:
“Trabalhe
como camelô, sonhe como bilionário.” – A pobreza de origem não limita o tamanho
da ambição.
“Quem
ri vende; quem doa permanece.” – Humor é capital de giro, filantropia é reserva
de valor.
“Fale com o povo na língua do povo.” – Comunicação só é estratégica quando é simples.
Entre a
ortodoxia do Shabat e o caos de auditório, Silvio Santos ensinou que fé pode
ser motor de negócios, que entretenimento pode ser engenharia social, e que a
gargalhada – esse ato tão humano – pode sustentar impérios tão sólidos quanto
qualquer arranha-céu de concreto armado.
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