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31 de maio de 2025

O Messias Que Nos Faltava Era Humano, ou O amor é o nome secreto de uma liberdade que ainda não aprendemos.



“E se o Messias não vier do céu, mas da terra? E se não trouxer milagres, mas perguntas? E se sua missão for, antes de salvar, ensinar-nos a ser?”

Há uma ausência que não se nomeia, mas grita. Uma espécie de sede que nenhuma religião sacia, um vazio que não é espiritual — é existencial. Não é Deus que falta: é o humano.

A pergunta inquietante é essa:
Será que, na ânsia de encontrar um salvador, esquecemos de ser salvos por nós mesmos?

A imagem tradicional do Messias é a de alguém que nos resgatará do sofrimento. Mas e se o sofrimento não for uma anomalia, e sim parte intrínseca do que somos? Kierkegaard diria que a angústia é o desvelar da liberdade; Schopenhauer, que o desejo é um cárcere disfarçado de anseio; e Camus, que a vida é um teatro do absurdo em busca de um roteiro inexistente.

Talvez o verdadeiro Messias não venha para desfazer o sofrimento, mas para nos ensinar a habitá-lo com dignidade.

O Messias como um estranho ordinário

Imagine um homem caminhando numa rua qualquer de uma cidade morna. Ele carrega uma maçã na mão e a morde com calma. Não tem seguidores, não opera prodígios. Apenas olha as pessoas nos olhos. Não diz “eu sou o caminho”, mas pergunta: “Você sabe para onde está indo?”

Ele vê um casal brigando na fila do banco. Aproxima-se. Não interfere. Apenas toca o ombro do homem com gentileza e diz:
"Ela tem medo de ser invisível. Você também."
E segue.

Essa cena é banal. Mas nela há uma força tectônica. Porque o verdadeiro Messias não nos leva ao paraíso — nos devolve ao aqui-agora com olhos desentranhados da cegueira cotidiana.

Amar como quem desiste do controle

Fala-se muito de amor. Mas o que sabemos dele? Ainda o confundimos com posse, carência, reflexo. Amar, no ensinamento deste Messias, seria como lançar sementes num solo que pode nunca frutificar — e ainda assim, lançar.

Não se trata de uma ética da renúncia, mas da coragem de ser vulnerável. Ele diria: "Amar é permitir que o outro nos desmonte sem a garantia de ser remontado."

Amar, portanto, é um ato de liberdade. Mas essa liberdade é um paradoxo: quanto mais livre sou, mais risco corro. O Messias do amor não nos entrega mapas, mas espelhos manchados com nossa própria incompletude.

Epifania: o silêncio que fala

Há um momento em que tudo colapsa.

Você está sozinho, no fim de um dia ordinário. A luz da cozinha falha. O prato ainda sujo, a pia gotejando. E de repente, sente.

Não é tristeza. Não é paz. É algo cru, como se a existência sussurrasse:
"Você está vivo. E isso é tudo."

É aí que o Messias se revela: não como figura externa, mas como lampejo interno. Ele não desce dos céus. Ele emerge do cansaço, do riso, do fracasso. Da ternura súbita por um estranho.

O Messias que não salva, mas desperta

Este Messias não exige fé. Pede presença. Não promete vida eterna — convida à eternidade do instante. Ele nos desinstala da ilusão do sentido pré-fabricado. Nos lança no abismo da liberdade, e sussurra:
"Você é responsável pelo mundo que cria ao olhar."

Não há dogmas. Há perguntas:
– Quem você seria se não precisasse agradar ninguém?
– Quantas máscaras você veste para não chorar em público?
– O que você teme tanto que prefere a distração ao silêncio?

Final aberto: a sombra e o espelho

O Messias talvez já tenha vindo — e passado despercebido, como um mendigo num beco, um amigo que se foi cedo demais, um poema que você não entendeu.

Ou talvez ele esteja dentro de cada gesto humano que, sem alarde, escolhe o bem num mundo cínico.

A pergunta que fica, como uma vela acesa na tempestade:

E se o Messias não vier para nos levar ao céu, mas para nos ensinar a descer ao fundo de nós mesmos — e lá, enfim, encontrar o humano perdido?



 

O Caçador de Si: A busca pelo autoconhecimento em tempos de incerteza



    Em meio ao turbilhão das emoções humanas e das exigências sociais que modelam identidades, o ser humano segue em constante peregrinação rumo à compreensão de si mesmo. Tal como expressa poeticamente a música “Caçador de Mim”, eternizada na voz de Milton Nascimento, há uma jornada silenciosa — e muitas vezes solitária — em que o indivíduo tenta se desvencilhar das amarras do medo, das paixões infindas e dos desencontros existenciais, para, enfim, encontrar o próprio significado. Neste contexto, a busca pelo autoconhecimento se revela não apenas como um exercício pessoal, mas como um imperativo vital numa sociedade fragmentada, marcada por ansiedades e expectativas externas.

    Desde a antiguidade, a máxima socrática “conhece-te a ti mesmo” ecoa como um convite à introspecção e à emancipação da consciência. No entanto, no mundo contemporâneo, em que os algoritmos ditam desejos e os rótulos sufocam autenticidades, tal jornada se torna ainda mais desafiadora. Assim como o "caçador de si" descrito na letra, o sujeito moderno precisa enfrentar seus próprios labirintos emocionais — as “armadilhas da mata escura” — para resgatar sua essência, muitas vezes encoberta por frustrações, traumas ou modelos inalcançáveis de perfeição.

    A canção sugere que, apesar das contradições internas — ser “doce ou atroz”, “manso ou feroz” — é possível transformar a instabilidade emocional em força motriz. É no contato com a arte, com as “canções” e as “paixões” que nunca cessam, que o indivíduo percebe sua complexidade e extrai sentido do caos. Tal percepção se alinha à psicanálise freudiana, que compreende o sujeito como resultado de conflitos inconscientes que, se elaborados, podem promover crescimento e liberdade.

    Ademais, o trecho “nada a temer senão o correr da luta” revela uma crítica à paralisia causada pelo medo. Em tempos de crise sanitária, climática e social, muitos indivíduos se veem tomados por angústias existenciais. Porém, como aponta Viktor Frankl, psiquiatra e sobrevivente do Holocausto, mesmo diante do sofrimento, é possível encontrar propósito. A música, nesse sentido, reforça que não há saídas fáceis: é preciso “abrir o peito à força”, arriscar-se na descoberta de si mesmo, ainda que isso exija enfrentar a dor e o desconhecido.

    Portanto, “Caçador de Mim” não é apenas uma metáfora poética sobre a identidade, mas um manifesto íntimo sobre a importância da escuta interior em tempos de ruído. Valorizar o autoconhecimento como prática constante é essencial para a construção de indivíduos mais conscientes, resilientes e capazes de contribuir para uma sociedade mais empática. Afinal, só descobre o que o faz sentir quem ousa sonhar, partir e, sobretudo, voltar-se para dentro. O verdadeiro encontro não está fora, mas no silêncio entre uma batida do coração e outra — onde habita o eu mais profundo.




30 de maio de 2025

Soneto da Música



A música é o instante em que a dor se cala,
É brisa leve a embalar o pensamento,
É voz que surge quando o mundo rala,
É luz que canta dentro do tormento.

É nota pura que no peito embala,
É pranto doce em tom de esquecimento,
É alma nua que se faz vassala
Do som que vem, sem tempo e sem lamento.

Ser música é viver de ouvido aberto,
Sentir no sangue o ritmo desperto
E no silêncio ouvir a melodia.

É transformar tristeza em claridade,
E ser feliz, com nobre simplicidade,
Por um acorde em plena sinfonia.

É dom sagrado em forma de emoção,
É arte viva, voz do invisível ser,
É ponte etérea entre o céu e o chão,
É verbo mudo a nos fazer viver.

É trovador que canta o coração,
É lar antigo a nos reconhecer,
É chama antiga em nova combustão,
É tudo aquilo que não dá pra ver.

Música é lágrima que dança o riso,
É pão da alma, bálsamo preciso,
É cura oculta em forma de prazer.

É voz de Deus soprando no ouvido,
Um som do tempo que jamais tem sido,
Mas que nos faz, por um instante, crer.



A crise moral, a crise de ética e a polaridade política no Brasil



“A verdadeira crise não é econômica, nem política.

 É moral.” — Bertolt Brecht


    No cenário contemporâneo brasileiro, assiste-se a um profundo colapso ético que transcende ideologias e coloca em xeque os pilares da democracia. A polarização política não apenas radicalizou o discurso público, mas também revelou um país dividido entre escândalos, idolatrias cegas e uma institucionalidade fragilizada. De um lado, o lulismo carrega o peso de condenações judiciais anuladas por magistrados indicados pelo próprio grupo político. Do outro, o bolsonarismo, impregnado de retórica agressiva e ofensiva, ora se apresenta como vítima de perseguição, ora flerta com ideias antidemocráticas. Em meio a esse caos, o chamado “centrão” age como catalisador do oportunismo, loteando o poder em benefício próprio. Resta, portanto, perguntar: para onde caminha o Brasil?

    A crise moral que atravessa o país manifesta-se na banalização da corrupção e na naturalização de desvios éticos em nome da governabilidade. Quando figuras públicas se tornam símbolos de impunidade ou mártires fabricados por narrativas ideológicas, a população é induzida à cegueira crítica. A anulação de processos de Lula por questões formais, embora legalmente defensável, foi interpretada por muitos como uma manobra político-jurídica promovida por ministros indicados por governos aliados — o que enfraquece a confiança no Judiciário. Simultaneamente, o ex-presidente Bolsonaro deslegitima o sistema ao invocar perseguição e conclamar por intervenção externa, gesto que agride a soberania nacional e tensiona ainda mais as já combalidas relações entre os Poderes.

    Essa polarização cria um ambiente binário e irracional, onde não há espaço para ponderação. O “nós contra eles” substituiu o debate público, e qualquer tentativa de moderação é ridicularizada como fraqueza ou traição. O centro político, que deveria representar equilíbrio, tornou-se um reduto de barganhas, fisiologismo e chantagem institucional. Deputados e senadores, muitos envolvidos em escândalos, trocam votos por emendas e cargos, esvaziando o papel do Legislativo como formulador de políticas públicas. O resultado é um Congresso que legisla em causa própria, enquanto o país padece por falta de projetos estruturantes.

    A ausência de líderes éticos, somada à falência do debate racional, compromete o futuro do Brasil. Jovens crescem sem referências políticas dignas, cidadãos desconfiam das instituições e a própria democracia corre risco de erosão. Quando os extremos se retroalimentam pelo ódio mútuo, e o centro político não inspira confiança, abre-se caminho para soluções autoritárias ou para o cinismo generalizado, onde nada mais importa além do próprio umbigo.

    Portanto, é urgente reconstruir o tecido moral da nação. Isso requer uma profunda reforma política, com regras claras de transparência, limites ao poder do Executivo sobre o Judiciário e mecanismos eficazes de fiscalização dos parlamentares. Mas mais do que leis, o Brasil precisa de uma nova cultura cívica, que valorize o bem comum, a educação crítica e a ética na vida pública. Sem isso, continuaremos reféns de falsos heróis e mercadores da fé política — e o amanhã seguirá sendo apenas uma repetição dos mesmos erros.





Entre o amor e a indiferença: a resistência da gratidão em tempos de descaso



     No enredo cotidiano da existência humana, onde o egoísmo muitas vezes ecoa mais alto que a empatia, a gratidão se ergue como uma virtude rara — e, paradoxalmente, revolucionária. Em um tempo marcado pela pressa e pela superficialidade dos vínculos, reconhecer o outro, valorizar gestos e cultivar a consideração parecem atitudes antiquadas, quase ingênuas. No entanto, como afirma o filósofo alemão Friedrich Nietzsche, “aquele que não consegue agradecer, não pode ser verdadeiramente feliz”. A ausência de gratidão revela não apenas um empobrecimento das relações humanas, mas um sintoma de crise moral que atravessa os vínculos sociais contemporâneos. Ainda assim, insistir na bondade e no amor continua sendo um ato de resistência.

    Historicamente, a gratidão foi exaltada como uma das virtudes que sustentam o tecido social. Nas tradições africanas, por exemplo, o princípio de ubuntu — "eu sou porque nós somos" — enaltece o reconhecimento mútuo como fundamento da existência coletiva. No entanto, na lógica individualista do mundo atual, regido pelo desempenho e pela autossuficiência, a cultura do descarte também se aplica às relações humanas: amizades, favores e sacrifícios tornam-se descartáveis. A ingratidão, assim, não é apenas uma falha de caráter individual, mas um sintoma de um tempo adoecido pela indiferença.

    Não obstante, ser grato em um mundo insensível é mais do que um gesto ético: é um ato político. Amar, fazer o bem e reconhecer o valor do outro sem esperar retribuição se torna, nas palavras de Hannah Arendt, uma “ação que rompe com a banalidade do mal”. A gratidão transforma vínculos frágeis em alianças humanas sólidas; ela transcende o utilitarismo social e resgata a dignidade do ato gratuito, do gesto sem cálculo. Ainda que muitos permaneçam indiferentes, e que a ingratidão doa mais do que o esquecimento, viver com consideração é plantar sementes invisíveis que, cedo ou tarde, florescem.

    Diante desse cenário, é imperativo que a sociedade brasileira invista na formação ética desde os primeiros anos de escolarização. Para isso, o Ministério da Educação deve incorporar, de forma transversal no currículo escolar, projetos de educação socioemocional que incentivem práticas de gratidão, empatia e reconhecimento, por meio de atividades cooperativas, rodas de conversa e ações comunitárias. Além disso, campanhas públicas veiculadas nas mídias sociais podem fomentar uma cultura do agradecimento, estimulando o reconhecimento das pequenas gentilezas cotidianas.

    Em suma, embora a indiferença avance como uma sombra, a luz da gratidão persiste como um farol. Ser grato, amar e fazer o bem — mesmo que não haja aplausos ou retorno — é escolher, diariamente, não sucumbir ao cinismo. Afinal, como escreveu o poeta Fernando Pessoa: "vale a pena tudo, se a alma não é pequena".

 

 

29 de maio de 2025

O Homem que Caminha Só



Ele não nasceu forte; foi a dor quem o esculpiu.

Cresceu entre ausências, onde o silêncio gritava mais alto que qualquer conselho.

Aprendeu cedo que o mundo não perdoa os fracos, mas também não abraça os fortes.

A vida o tomou pela mão com dedos de ferro e o arrastou por vales escuros, sem mapa, sem luz, sem promessas.

 

Era um menino perdido num mar de impossibilidades, até que aprendeu a nadar em suas próprias lágrimas.

A fome o ensinou sobre desejo. A perda, sobre valor. A solidão, sobre caráter.

Seu coração virou armadura; sua alma, trincheira.

Não decorou frases prontas — escreveu suas próprias doutrinas no mármore da experiência.

 

Homem de palavra, mesmo quando o mundo mentia.

Homem de silêncio, quando as palavras não podiam salvar.

Homem de fé, mas não daquela que espera — da que levanta e constrói.

Conheceu o amor, sim, mas desses que vêm para ensinar e vão embora sem dizer adeus.

 

Leu mais do que falou. Amou mais do que pôde.

Carregou em si mil teses — sobre a justiça, sobre Deus, sobre o tempo.

Foi pai de ideias, filho da dor e irmão da esperança.

Tinha fome de mundo, mas apetite por justiça.

 

Fez de cada cicatriz um livro sagrado.

De cada rejeição, um portal para o autoencontro.

Não buscava aprovação — buscava propósito.

E encontrou em si mesmo um universo que ninguém nunca tentou explorar.

 

Alguns o chamaram de frio. Outros, de gênio.

Poucos o compreenderam. Muitos o julgaram.

Mas ele seguiu… um passo após o outro…

Entre ruínas e vitórias, com olhos firmes no horizonte e os pés no chão que arde.

 

De vez em quando, sim, se deixava levar pelo prazer.

Pecava com a lucidez de quem sabe o preço.

Caía de olhos abertos, pois não era santo, mas era inteiro.

Sua maior virtude era não esconder seus demônios — conversava com eles.

 

Hoje, ele caminha só, mas não está perdido.

Carrega um arsenal de experiências e uma biblioteca viva de pensamentos.

Não precisa de palco — basta-lhe a estrada.

Porque ele não quer ser admirado. Quer ser compreendido.

 

E se você o encontrasse hoje, talvez não o reconhecesse.

Mas sentiria, no olhar, o peso do que só os grandes suportam em silêncio.

Não peça que ele se explique. Apenas pergunte, com honestidade:

 

Você teria suportado o que ele viveu sem se tornar alguém pior?




Perguntas para DEUS.



Se eu estivesse por um átimo de eternidade,

Diante do Inefável, face a face com o Inominável,

Com os olhos nus diante do abismo que tudo vê

E que nada responde, a menos que se pergunte com dor,

Faria cinco perguntas sem disfarce, sem joelhos dobrados,

Apenas a mente em pé, o espírito em chamas.

 

Primeira pergunta: Deus, por que criaste o tempo,

se Tu mesmo não és por ele tocado?

Por que lançaste os seres na prisão das horas,

onde tudo nasce apenas para morrer?

Seria o tempo uma escola ou uma sentença?

 

Segunda: Por que a dor é a linguagem mais clara

com que a alma aprende a ouvir o mundo?

Se o amor é Tua essência, por que ele é tão frágil

perante a violência, a ausência, o abandono?

Ou seria a dor o próprio ventre do amor mais profundo?

 

Terceira pergunta: Deus, a liberdade é real

ou apenas a ilusão mais bem esculpida?

Se sabes tudo antes que seja,

nossos atos são escolhas ou teatro bem ensaiado?

O livre-arbítrio é bênção ou artifício?

 

Quarta: O mal tem existência própria,

ou é apenas sombra onde Tua luz não chega?

Se Tu és onipresente, o inferno é dentro de Ti?

E se o diabo é uma criação, quem é seu autor?

Somos nós os monstros ou apenas espelhos?

 

Quinta e última: Por que te ocultas,

se todo coração busca Tua face em segredo?

Por que criaste um universo repleto de enigmas,

mas não deixaste um só livro onde todas as páginas fossem claras?

Tu nos queres crentes ou conscientes?

 

E ao fim, talvez o próprio Deus ficasse em silêncio,

não por desprezo, mas por respeito à dúvida.

Pois há perguntas que são mais sagradas

do que as respostas que poderiam contê-las.

 

Agora te pergunto, e tu, leitor das entrelinhas do invisível,

se estivesses diante do Criador, o que perguntarias?



A Ilusão da Imagem





Criamos retratos com os olhos da carência,
pintamos rostos com tintas de esperança,
esculpimos almas com os dedos da ilusão.
Fazemos da ausência um espelho,
e do silêncio; canção.

Projetamos deuses em corpos comuns,
anjos em vozes banais,
paraísos em corações ocos.
Atribuímos profundidade a poças rasas,
chamamos de mar um copo de água.

Ela sorri  e juramos que há sol.
Ela se cala e dizemos que é mistério.
Ela nos fere e chamamos de amor difícil.
Ignoramos os sinais como quem ignora placas em uma estrada:
preferimos o abismo à desistência da fantasia.

A pessoa está lá, nua em sua essência,
gritando verdades em gestos sutis.
Mas os olhos embriagados pelo desejo
recusam-se a ver.
Os ouvidos treinados por sonhos
não escutam a realidade.

Ela nunca prometeu ser o que você queria.
Foi você quem escreveu o script,
dirigiu a peça,
escolheu o figurino,
acendeu as luzes do palco
e entregou-lhe um papel que ela jamais decorou.

Frustração?
Não com ela.
Mas com o arquétipo que criamos
e insistimos que ela encarnasse.
Com o mito que alimentamos
até transbordar na alma
feito veneno em cálice de ouro.

A cada gesto dela, havia um alerta.
Mas preferimos o sussurro da fantasia
ao grito da evidência.
Ela era transparente como o vidro 
e nós, cegos de expectativa.

E então nos dizemos traídos.
Mas a traição não veio dela.
Foi o ego quem mentiu.
Fomos enganados, sim 
por nós mesmos.

Perdemos tempo amando o reflexo,
enquanto a realidade acenava em vão.
Queríamos um milagre
e nos recusamos a ver o humano.
Queríamos eternidade
e não suportamos o instante.

Agora, resta o vazio
de uma história nunca vivida,
de uma pessoa nunca amada
pelo que realmente era,
mas apenas idealizada.

E a pergunta que fica, ecoando no silêncio das decepções:

Será que você realmente se frustrou com a pessoa ou com a mentira que você mesmo quis acreditar?


26 de maio de 2025

As Três Colunas da Alma






Há três colunas que sustentam o templo da alma:
Gratidão, Lealdade e o dom de Pedir Perdão.
Quem as tem, caminha entre espinhos como quem pisa em nuvens,
Quem as ignora, rasteja mesmo sob tapetes de ouro.

Gratidão é luz que brota da memória sincera,
É ver no outro o sopro que salvou teu naufrágio.
É saber dizer: “obrigado” com os olhos molhados,
Como quem reconhece que não se fez sozinho.
Ingratidão, por outro lado, é faca nas costas,
É cuspir no prato que te sustentou na seca,
É covardia vestida de indiferença elegante.

Lealdade é ferro forjado na fogueira da verdade,
É estar mesmo quando não há vantagem,
É jurar em silêncio e cumprir em tempestade.
Traição, seu contrário, é veneno disfarçado de perfume,
É abraço de Judas, beijo de escorpião,
É prometer céu e plantar abismos.

Pedir Perdão é ato de reis que se curvam,
É coragem de se despir diante do próprio erro,
É amar mais a paz que o próprio orgulho.
A arrogância, contudo, é muralha cega,
É insistir na razão até matar o amor,
É fingir perfeição, mesmo em ruínas.

Essas três virtudes não gritam, mas ecoam.
São escudos invisíveis contra os apodrecimentos da alma.
Quem as cultiva é árvore frondosa,
Quem as despreza é palha ao vento.

Na era das aparências, onde estão os que vivem com essência?
Na multidão de vozes, onde ecoam os que sentem de verdade?
No espelho da tua consciência,
o que você vê: colunas ou ruínas?




Qual o propósito da vida?





Qual é, então, o grande propósito da vida? Talvez seja justamente não tê-lo com exatidão.

Pois o sentido escapa por entre os dedos como areia em punho fechado,
e cada tentativa de capturá-lo o torna ainda mais fugidio, mais sutil, mais etéreo.
Talvez o propósito não esteja no destino, mas no caminho —
nas pedras que machucam os pés descalços,
nas flores que brotam entre os escombros da alma.

Quem disse que amar exige retorno?
Talvez o verdadeiro amor seja aquele que arde em silêncio,
que se doa como o sol que aquece mesmo as janelas fechadas,
sem saber se alguém ali dentro precisa de calor.
Talvez o sacrifício mais puro seja aquele que ninguém vê,
e a grandeza maior resida na renúncia que não recebe medalhas.

A vida, por vezes, parece um palco de ausências,
onde os atores não sabem ao certo qual papel desempenham.
E ainda assim, seguem — tropeçando, tentando, errando, recomeçando.
Sofrer em solidão, sim, mesmo rodeado de vozes.
Mas quem nunca?
A multidão não cura a ausência de um olhar verdadeiro.

E talvez... talvez o propósito seja continuar.
Continuar mesmo quando tudo diz "pare".
Continuar sorrindo com os olhos molhados,
continuar plantando mesmo que a colheita não seja sua.
Continuar escrevendo cartas que ninguém lerá,
cantando canções para ouvidos que jamais ouvirão.

Porque talvez viver seja isso:
um ato de rebeldia contra o vazio,
um grito sutil de quem, mesmo perdido, insiste em caminhar.
Não por glória, não por recompensa,
mas porque há algo no coração humano que se recusa a apagar a chama.
A chama de ser.
De simplesmente ser.
Com toda a dor, com toda a beleza,
com toda a brevidade de um sopro,
com toda a eternidade que cabe num gesto de ternura.

Talvez o grande propósito da vida
seja tocar uma outra alma,
mesmo que por um segundo.
E nesse toque,
refletir, ainda que por breves instantes,
a centelha do divino que nos habita.




22 de maio de 2025

O Peso de Ser Inteiro num Mundo Quebrado



Não importa o quanto você se doa — haverá quem diga que foi pouco.

Não importa o quanto você sorri — haverá quem deseje sua tristeza.
O mundo não tem justiça para quem sente demais, para quem oferece a alma sem filtro,
para quem vive com o coração exposto como bandeira em dia de tempestade.

Ontem, os olhos que brilhavam por você, hoje desviam como se fossem cegos.
As mãos que seguravam as suas com força, hoje empurram sua ausência para longe,
e os lábios que murmuravam promessas, hoje selam silêncios frios e definitivos.

Mas veja — há algo de divino na virada do inesperado.
Da sombra brotam flores, do esquecimento nascem encontros.
É quando você pensa estar só, que a vida sussurra:
“Ainda há amor, só que em outras direções.”

Quem te ignorava passa a te escutar com reverência.
Quem te julgava descobre que também carrega falhas.
E os que se foram… ah, esses jamais voltam do mesmo jeito.
São apenas ecos do que um dia fingiram ser.

A dor tem o dom de lavar a alma.
Cada lágrima é uma chuva que limpa a estrada.
Cada mágoa é tijolo no templo da sua força.

A vida te quebra nos mesmos pontos onde deseja te tornar forte.
E os cacos que sobram? São o mosaico da sua reinvenção.

Você não é amado por aquilo que mostra,
mas por aquilo que vibra quando ninguém está olhando.
E você não é odiado por suas falhas,
mas por fazer brilhar onde outros se apagam.

O paradoxo da existência é cruel:
os aplausos e os apedrejamentos vêm da mesma plateia.
Muda o figurino, muda o enredo,
mas os olhos que te julgam são os mesmos que um dia te desejaram vitória.

Não lamente o que perdeu.
Perdas são filtros da verdade.
Só fica quem reconhece sua essência sem precisar de legenda.

Continue sendo quem é — com alma inteira,
mesmo que sua luz incomode olhos acostumados com a penumbra.

Pois, no fim, os que te amam por quem você é
valem infinitamente mais do que os que te amaram pelo que imaginaram.

A existência não pede explicações.
Ela apenas revela quem é quem,
no tempo exato em que você aprende a ver.



19 de maio de 2025

Tudo Tem um Prazo de Validade: Dos Objetos Até os Amores — O Que É Eterno?



    Tudo nasce já marcado pela finitude. A maçã na fruteira escurece, o perfume se evapora, o carro perde o brilho. Cada objeto, por mais caro ou raro, carrega em si o destino do desgaste. E não somos diferentes — cada célula nossa grita que está morrendo, mesmo enquanto sorri. Vivemos numa vitrine de prazos, colecionando memórias com cheiro de mofo, segurando promessas que se esfarelam no tempo como papel velho ao sol.

    As amizades também têm vencimento. Algumas, embaladas com laços de riso e cumplicidade, desaparecem como fumaça, sem briga, sem razão — apenas silêncio. Outras explodem em palavras ácidas e desentendimentos irreparáveis. E o amor, esse que juram eterno, esse que arde no começo como fogo em mato seco, também curva a cabeça diante do tempo. Ele esfria, cansa, se dilui no hábito, morre nos detalhes esquecidos. Beijos deixam de ter gosto, toques perdem a intenção. E o que era promessa vira lembrança, quando não vira mágoa.

    A própria vida é um fio em constante corte. Crescemos como se fôssemos infinitos, mas cada aniversário é uma pétala a menos no buquê da existência. Os pais envelhecem, os filhos crescem e se vão, e o corpo cobra os juros dos excessos. Tudo o que é hoje, não será amanhã. A casa vira ruína, o nome é esquecido, as fotos perdem cor. E mesmo os grandes impérios viram poeira, como sussurros apagados do vento.

    No fim, nada sobra. Nem o eco dos passos, nem os gritos de amor, nem as dores que um dia foram abismos. Tudo se desfaz. Tudo acaba. Mas há beleza nisso — na dança frágil do instante. A eternidade talvez esteja apenas no agora. No olhar que dura segundos, na risada que ecoa antes de sumir, no toque breve que acende o mundo e depois desaparece. O que é eterno? Nada. E, talvez por isso, tudo valha a pena.




15 de maio de 2025

A minha carta de despedida.

  


 

     Um abismo imenso está à minha frente, um vazio de ideias, de fé, de objetivos, de esperança e principalmente de incertezas. Aliás, a única certeza é que o fim chegará. Mas resta saber se é o fim de final ou fim de finalidade, de que tudo foi cumprido.

    Confesso que durante o processo houveram muitos problemas, inúmeros tropeços e lágrimas, e, apesar de tudo isso, também houveram momentos incríveis, prazer e alegria. Pude experimentar muita coisa boa na vida desde o nascimento até o momento. Ainda não sei o legado que vai ficar, mas deixo escrito lembranças, pensamentos, poesias, sentimentos e um pouco do que pude viver descrito em palavras. Que fique registrado a minha passagem.

    Não foi uma existência fácil, nem pretensiosamente exemplar. Mas foi real. De carne, osso e contradições. Andei por caminhos tortuosos, bebi de fontes impuras, amei com desespero e também me calei quando devia gritar.

    Fui incompreendido por muitos, e também não me esforcei tanto para ser entendido. Talvez porque eu mesmo nunca tenha me entendido por completo.

    Carreguei pesos que não eram meus e deixei cair fardos que só eu poderia sustentar.

    Sorri por fora enquanto, por dentro, erguia ruínas. Gritei para o vazio inúmeras vezes — e o silêncio foi o único a responder.

    Mas também me reinventei quando tudo parecia acabado. Levantei do chão mesmo quando ninguém acreditava. Descobri a beleza dos pequenos gestos, das manhãs silenciosas, dos olhares cúmplices. Me perdi para me reencontrar, e percebi que às vezes a dor é uma professora mais eficiente que a paz.

    As amizades vieram e foram, como as estações — algumas floresceram, outras murcharam sem aviso. O amor... ah, o amor me visitou com intensidade. Deixou marcas, feridas, mas também curas.

     A fé, essa instável companheira, ora se escondia, ora me empurrava em direção à luz. Não fui santo, mas também não fui vilão. Fui humano. Limitado. Ambíguo. Vivo.

     E se hoje encaro o abismo, não o faço com medo, mas com curiosidade. Porque talvez o fim não seja queda, mas voo. Talvez a escuridão que vejo seja apenas o início de uma nova aurora. E mesmo que eu não esteja aqui para ver o sol nascer novamente, que minhas palavras sejam os raios que anunciam um novo dia para quem vier depois. Que minhas falhas sirvam de advertência e minhas conquistas, de inspiração.

     Não peço estátuas, nem homenagens. Peço apenas que, ao lerem o que escrevi, sintam que ali bateu um coração — imperfeito, sim, mas pulsante de verdade. E que no meio de tanta dúvida, uma única convicção brilhe como estrela solitária no céu da noite:

     A vida, mesmo em sua confusão e caos, valeu a pena ser vivida.




5 de maio de 2025

A dor de um homem que encontrou a liberdade e a solitude no vazio que as pessoas buscam e não encontram, ou no fim, pode ser tudo o que preciso.


 

E tudo se desfaz diante dos meus olhos;

A fé, a esperança e o amor!

A religião se revelou demagoga e vazia,

A política se mostrou dominadora e ineficaz,

As pessoas que eu amava e confiava me traíram.

 

Sobraram apenas os escombros da crença,

As ruínas frias do que um dia foi abrigo.

As promessas viraram cinzas ao vento,

E o silêncio agora grita mais alto que qualquer clamor.

 

A alma antes cheia de luz agora vagueia nas sombras,

Procurando sentido entre cacos de sonhos partidos.

Cada sorriso que recebi virou máscara,

Cada abraço um disfarce para a punhalada.

 

A esperança? Um quadro desbotado na parede da memória.

O amor? Uma lenda contada por tolos aos seus filhos.

E a fé? Um grito que ecoa num céu surdo e indiferente.

 

Tudo que restou foi a verdade nua e cruel:

O mundo não é justo. Nunca foi.

A justiça é um conceito, não uma prática.

A bondade é exceção, não regra.

E o homem esse ser civilizado é só um lobo bem vestido.

 

Mas no caos encontrei algo mais puro:

A liberdade de não crer, de não esperar,

De não me curvar diante de deuses, líderes ou afetos vazios.

Ergui-me sobre os cacos, sangrando, mas desperto.

Não tenho certezas, mas tenho olhos abertos.

Não tenho fé, mas tenho coragem.

Não tenho amor, mas tenho lucidez.

 

E isso, no fim, pode ser tudo o que preciso.




Todos os textos são autoria de Giliardi Rodrigues. Proibida a reprodução de qualquer texto sem prévia autorização do autor.

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